Afinal, como se ocupa um edifício depois do licenciamento?
- Ana Carolina Santos
- 30 de jul.
- 3 min de leitura
Durante décadas, o momento - quase cerimonial – da emissão da licença de utilização marcava o fim de um processo longo e, muitas vezes, burocrático. Sem esse documento ninguém podia habitar, vender ou arrendar um imóvel recém-construído ou reabilitado.
Com a última revisão do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) – Decreto-Lei n.º 10/2024, em vigor desde Março de 2024 – o cenário mudou: surgiu um conjunto de regras que simplifica, digitaliza e clarifica a utilização dos edifícios após licenciamento. Eis o essencial, em linguagem directa e pragmática.

1. O que desaparece
Licença de utilização obrigatória em papel – deixa de ser o único caminho.
Vistorias automáticas – só acontecem se a Câmara detectar indícios graves ou se o termo de responsabilidade estiver incompleto.
Reenvio constante de certidões – basta inserir o código da certidão permanente; não há lugar a repetição quando o prazo expira durante o processo.
2. O que passa a existir
Antes | Agora (DL 10/2024) |
Pedido de licença de utilização físico, com anexos múltiplos. | Comunicação prévia com prazo: 20 dias após submissão é possível ocupar o imóvel se não houver oposição da Câmara. |
Vistoria obrigatória da autarquia. | Vistoria só se for necessária (art. 64.º). |
Múltiplas idas à Câmara Municipal. | Plataforma Electrónica dos Procedimentos Urbanísticos (PEPU) – submissão e acompanhamento 100% digital. |
Termo de responsabilidade apenas para projectos. | Termo de responsabilidade também para utilização – técnico certifica a idoneidade do edifício para o uso pretendido. |
Mesma regra para qualquer mudança de uso. | Dois regimes distintos: - 62.º-A – utilização após obra licenciada - 62.º-B/C – alteração de uso sem obra prévia ou em edifícios isentos. |
3. Utilização após obra licenciada (art. 62.º-A)
Obra terminou?
Submeta comunicação prévia com prazo + termo de responsabilidade.
Pague as taxas electrónicas.
Passados 20 dias (salvo notificação em contrário) pode ocupar, vender ou arrendar.
Atenção: o prazo só desliza se o município exigir vistoria; mesmo assim esta deve ocorrer em 15 dias.
4. Alterar o uso sem obra prévia (art. 62.º-B)
Exemplo clássico: transformar um escritório num T1.
Envia-se comunicação prévia com prazo.
O técnico declara que o novo uso cumpre regras de segurança, incêndio, salubridade, acessibilidades, etc.
Não há projeto de especialidades? Basta o termo de responsabilidade devidamente fundamentado.
5. E se o edifício estava dispensado de controlo prévio?
Edificações concluídas ao abrigo do n.º 1 do art. 6.º-A (obras de escassa relevância) passam a ter de comunicar a utilização (art. 62.º-C). O procedimento é idêntico: comunicação electrónica, termo de responsabilidade, taxa e… go-live em 20 dias.
6. Ponto crítico: responsabilidade técnica
O legislador trocou burocracia por responsabilidade profissional. Quem assina a declaração compromete-se:
a garantir que o imóvel satisfaz todas as normas legais em vigor;
a responder civil e disciplinarmente se algo correr mal.
Escolher um arquitecto ou engenheiro experiente não é opcional – a idoneidade do profissional é hoje a peça-chave do processo.
7. Benefícios imediatos para proprietários e promotores
Velocidade – 20 dias, em vez de meses.
Previsibilidade – a contagem decrescente começa no instante da submissão digital.
Custos menores – menos papelada, menos deslocações, menos honorários suplementares.
Valor de mercado – um imóvel com utilização regularizada é mais apetecível para a banca e investidores.

8. Pontos de atenção (não ignore)
Coimas pesadas se ocupar sem cumprir os novos procedimentos (art. 98.º do RJUE).
Termo de responsabilidade incompleto = vistoria certa e atraso.
Mudanças de uso sensíveis (habitação → restauração, por exemplo) continuam a exigir compatibilidade com legislação específica – ruído, extração de fumos, acessibilidades, segurança contra incêndio.
Documentação digital deve respeitar BIM e formatos abertos indicados pela PEPU.
9. Check-list rápida
Obra concluída e limpa.
Fotografias finais (úteis em caso de vistoria).
Termo de responsabilidade assinado (projectista ou director de obra).
Certificação energética, se aplicável.
Comunicação prévia submetida na PEPU.
Taxa municipal paga (com comprovativo único de cobrança).
Marcação da vistoria — apenas se a Câmara o exigir.
Arquive tudo digitalmente; a PEPU guarda o histórico.
Para considerar
A “licença de utilização” não acabou; transformou-se num sistema mais ágil e centrado na responsabilidade técnica. Quem dominar a nova comunicação prévia com prazo ganha tempo, dinheiro e segurança jurídica.
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