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Quando o silêncio da Câmara vale aprovação: Compreenda o Deferimento Tácito nas Operações Urbanísticas

  • Foto do escritor: Ana Carolina Santos
    Ana Carolina Santos
  • 16 de out.
  • 5 min de leitura

O deferimento tácito é um dos mecanismos mais relevantes – e muitas vezes incompreendidos – no âmbito dos procedimentos urbanísticos em Portugal. Em termos práticos, significa que quando a administração pública não responde dentro dos prazos legalmente estabelecidos, o pedido pode considerar-se aprovado. Este instrumento ganhou particular importância com as recentes alterações legislativas que visam simplificar e acelerar os processos de licenciamento.



O que é o Deferimento Tácito?


O deferimento tácito ocorre quando, decorrido o prazo legal para a prática de um ato administrativo, a entidade competente não emite qualquer decisão expressa. Ao contrário do princípio popular "quem cala consente", no Direito Administrativo esta regra nem sempre se aplica – mas nas operações urbanísticas existe essa possibilidade específica prevista na lei.

De acordo com o artigo 130.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), existe deferimento tácito quando a lei determina que a ausência de notificação da decisão final sobre uma pretensão, dentro do prazo legal, tem o valor de deferimento. Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão.



Âmbito de aplicação: Licenciamento vs. Comunicação Prévia

A aplicação do deferimento tácito varia consoante o tipo de procedimento:

Em procedimentos de licenciamento (operações de loteamento, obras de construção com determinadas dimensões), tradicionalmente o silêncio não valia como aprovação automática. O interessado podia apenas recorrer aos tribunais para intimar a Administração a praticar o ato legalmente devido, através do mecanismo previsto no artigo 112.º do RJUE.

Nas comunicações prévias, o regime é diferente: decorrido o prazo sem pronúncia, a operação pode avançar, salvo se houver rejeição fundamentada.


Apresentação de Projeto de Arquitetura em formato de Comunicação Prévia
Apresentação de Projeto de Arquitetura em formato de Comunicação Prévia

A revolução do Simplex Urbanístico (2024)


Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, introduziu-se um regime de deferimento tácito também para as licenças de construção. Esta alteração representa uma mudança de paradigma: caso as Câmaras Municipais não cumpram os prazos estipulados, os projetos podem avançar mesmo sem pronúncia expressa.


O deferimento tácito é agora uma realidade para licenças de construção, pressionando as autarquias a cumprir prazos e desbloqueando projetos.


Prazos para formação do Deferimento Tácito


Os prazos variam conforme a complexidade da operação urbanística:

  • 120 dias para obras de construção, reconstrução, alteração ou ampliação em imóveis com área bruta até 300 m²

  • 150 dias para obras em imóveis com área bruta superior a 300 m² e até 2.200 m², bem como imóveis classificados

  • 200 dias para obras de urbanização, operações de loteamento e obras em imóveis com área bruta superior a 2.200 m²

Aspeto crucial: Estes prazos contam-se a partir da data de submissão do pedido, e não a partir do momento em que o pedido está "devidamente instruído", como sucedia anteriormente. Esta alteração aumenta significativamente a pressão sobre as entidades licenciadoras.



Condições para a formação do Deferimento Tácito


Para que se forme validamente um deferimento tácito, é necessário reunir cumulativamente os seguintes pressupostos:

  • Apresentação de um pedido suficientemente instruído com todos os elementos exigidos por lei

  • Competência da entidade a quem o pedido foi dirigido

  • Dever de decisão por parte da Administração

  • Decurso do respetivo prazo legal sem que tenha sido proferida decisão expressa

Se o pedido não estiver devidamente instruído ou existir alguma ilegalidade manifesta, a Câmara Municipal pode proceder ao saneamento e apreciação liminar (artigo 11.º do RJUE), notificando o requerente para, no prazo de 15 dias, corrigir ou completar o pedido.



A Certificação do Deferimento Tácito


Uma das grandes novidades é a possibilidade de obter uma certidão que comprove o deferimento tácito. Esta certidão é emitida eletronicamente pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA), no prazo máximo de 8 dias úteis, desde que:

  • Estejam reunidos os requisitos para a formação de deferimento tácito

  • A entidade competente confirme que não notificou ato expresso ou não se pronuncie no prazo de 3 dias úteis

Esta certidão fornece segurança jurídica aos promotores, permitindo avançar com projetos e obter financiamentos com base num documento oficial, e não apenas no decurso do prazo.



Riscos e limitações do Deferimento Tácito


Apesar de ser um instrumento de simplificação, o deferimento tácito apresenta alguns riscos:


Revogação, Anulação ou Declaração de Nulidade

O deferimento tácito é considerado um ato administrativo com o mesmo regime que um ato expresso. Isto significa que pode ser:

A Administração pode, posteriormente, verificar que o projeto não cumpre normas legais ou regulamentares, anulando ou declarando nulo o deferimento tácito. Esta possibilidade gera alguma insegurança jurídica para promotores e financiadores.


Divergências de Interpretação

As autarquias podem invocar nulidades do deferimento tácito se a interpretação do Plano Diretor Municipal ou de outra regulamentação aplicável não estiver de acordo com a posição da Câmara. Este cenário pode originar litigância entre particulares e municípios.


Pagamento de Taxas

A formação do deferimento tácito não depende do pagamento prévio de taxas. No entanto, estas continuam a ser devidas e o seu não pagamento pode ter consequências posteriores.



Procedimentos específicos


Autorização de Utilização

No caso de pedidos de autorização de utilização, o prazo para decisão é de 10 dias úteis. Decorrido este prazo sem decisão, forma-se deferimento tácito da pretensão. O meio processual adequado é a intimação judicial para emissão do alvará de autorização de utilização (artigo 113.º, n.º 5, do RJUE).


Operações de Loteamento

Tratando-se de operações de loteamento, estas estão sujeitas a licenciamento e, tradicionalmente, o silêncio não valia como deferimento. Com as alterações de 2024, passa a existir também deferimento tácito nestas situações, desde que respeitados os prazos e condições legais.



Suspensão e Interrupção do Prazo


O prazo para formação de deferimento tácito pode ser suspenso em situações específicas:

  • Quando o procedimento estiver parado por motivo imputável ao interessado (por exemplo, quando o requerente não apresenta documentos solicitados)

  • Se for necessário obter pareceres, autorizações ou aprovações de entidades externas – embora existam regras específicas sobre o efeito do silêncio destas entidades

O prazo só se interrompe com a notificação de decisão expressa.



Conselhos práticos


Para proprietários e promotores:

  • Certifique-se de que o pedido está completo e devidamente instruído desde o início, para evitar pedidos de correção que suspendam o prazo

  • Monitorize atentamente os prazos a partir da data de submissão do pedido

  • Considere solicitar a certidão de deferimento tácito à AMA para maior segurança jurídica

  • Antes de avançar com obras com base em deferimento tácito, pondere os riscos de eventual anulação ou revogação posterior

  • Consulte sempre um técnico especializado (arquiteto, engenheiro) e, se necessário, apoio jurídico para avaliar a conformidade do projeto



Para considerar


O deferimento tácito constitui um mecanismo de equilíbrio entre a eficiência administrativa e a proteção dos direitos dos particulares. A sua aplicação às licenças urbanísticas representa um avanço significativo na simplificação de procedimentos, mas exige responsabilidade acrescida tanto da parte das Câmaras Municipais – que devem cumprir prazos e assegurar decisões fundamentadas – como dos promotores – que devem garantir a conformidade legal dos seus projetos.

A recente possibilidade de certificação eletrónica do deferimento tácito pode tornar este instrumento mais operativo e seguro. Contudo, é fundamental que todos os intervenientes compreendam as condições, limitações e riscos associados, evitando conflitos futuros e garantindo um desenvolvimento urbanístico ordenado e legal.


Está a planear um projeto de construção ou ampliação? Tem dúvidas sobre prazos de licenciamento ou a aplicabilidade do deferimento tácito ao seu caso? A equipa da AC-Arquitetos possui a experiência e o conhecimento técnico necessários para o acompanhar em todas as fases do processo urbanístico, desde a elaboração do projeto até à obtenção das licenças necessárias. Entre em contacto connosco para uma consulta personalizada e assegure que o seu projeto avança com segurança e dentro da legalidade.


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